quarta-feira, 4 de maio de 2016

Coração de Maria, Trono da Misericórdia




9. No cântico pascal da Igreja repercutem, com a plenitude do seu conteúdo profético, as palavras que Maria pronunciou durante a visita que fez a Isabel, esposa de Zacarias: «A sua misericórdia estende-se de geração em geração» [101]. Tais palavras, já desde o momento da Encarnação, abrem nova perspectiva da história da Salvação. Após a ressurreição de Cristo, esta nova perspectiva passa para o plano histórico e, ao mesmo tempo, reveste-se de sentido escatológico novo. Desde então sucedem-se sempre novas gerações de homens na imensa família humana, em dimensões sempres crescentes; sucedem-se também novas gerações do Povo de Deus, assinaladas pelo sinal da Cruz e da Ressurreição e «seladas» [102] com o sinal do mistério pascal de Cristo, revelação absoluta daquela misericórdia que Maria proclamou à entrada da casa da sua parente: «A sua misericórdia estende-se de geração em geração» [103].
Maria é, pois, aquela que, de modo particular e excepcional — como ninguém mais —, experimentou a misericórdia e, também de modo excepcional, tornou possível com o sacrifício do coração a sua participação na revelação da misericórdia divina. Este seu sacrifício está intimamente ligado à cruz do seu Filho, aos pés da qual ela haveria de encontrar-se no Calvário. Tal sacrifício de Maria é uma singular participação na revelação da misericórdia, isto é, da fidelidade absoluta de Deus ao próprio amor, à Aliança que ele quis desde toda a eternidade e que no tempo realizou com o homem, com o seu Povo e com a humanidade. É a participação na revelação que se realizou definitivamente mediante a Cruz. Ninguém jamais experimentou, como a Mãe do Crucificado, o mistério da Cruz, o impressionante encontro da transcendente justiça divina com o amor, o «ósculo» dado pela misericórdia à justiça [104]. Ninguém como Maria acolheu tão profundamente no seu coração tal mistério, no qual se verifica a dimensão verdadeiramente divina da Redenção, que se realizou no Calvário mediante a morte do seu Filho, acompanhada com o sacrifício do seu coração de mãe, com o seu «fiat» definitivo.
Maria, portanto, é aquela que conhece mais profundamente o mistério da misericórdia divina. Conhece o seu preço e sabe quanto é elevado. Neste sentido chamamos-lhe Mãe da misericórdia, Nossa Senhora da Misericórdia, ou Mãe da divina misericórdia. Em cada um destes títulos há um profundo significado teológico, porque exprimem a particular preparação da sua alma e de toda a sua pessoa, para torná-la capaz de descobrir, primeiro, através dos complexos acontecimentos de Israel e, depois, daqueles que dizem respeito a cada um dos homens e à humanidade inteira, a misericórdia da qual todos se tornam participantes, segundo o eterno desígnio da Santíssima Trindade, «de geração em geração» [105].
Estes títulos que atribuímos à Mãe de Deus falam dela sobretudo como Mãe do Crucificado e do Ressuscitado, d'Aquela que, tendo experimentado a misericórdia de um modo excepcional, «merece» igualmente tal misericórdia durante toda a sua vida terrena e, de modo particular, aos pés da cruz do Filho. Tais títulos dizem-nos também que Ela, através da participação escondida e, ao mesmo tempo, incomparável na missão messiânica de seu Filho, foi chamada de modo especial para tornar próximo dos homens o amor que o Filho tinha vindo revelar: amor que encontra a sua mais concreta manifestação para com os que sofrem, os pobres, os que estão privados de liberdade os cegos, os oprimidos e os pecadores, conforme Cristo explicou referindo-se à profecia de Isaías, ao falar na sinagoga de Nazaré [106] e, depois, ao responder à pergunta dos enviados de João Baptista [107].
Precisamente deste amor «misericordioso», que se manifesta sobretudo em contacto com o mal moral e físico, participava de modo singular e excepcional o coração daquela que foi a Mãe do Crucificado e do Ressuscitado. Nela e por meio dela o mesmo amor não cessa de revelar-se na história da Igreja e da humanidade. Esta revelação é particularmente frutuosa, porque se funda, tratando-se da Mãe de Deus, no singular tacto do seu coração materno, na sua sensibilidade particular, na sua especial capacidade para atingir todos aqueles que aceitam mais facilmente o amor misericordioso da parte de uma mãe. É este um dos grandes e vivificantes mistérios do Cristianismo, mistério muito intimamente ligado ao mistério da Encarnação.
«Esta maternidade de Maria na economia da graça — como se exprime o Concílio Vaticano II — perdura sem interrupção, a partir do consentimento que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, ate à consumação eterna de todos os eleitos. De facto, depois de elevada ao céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que entre perigos e angústias, caminham ainda na terra até chégarem à Pátria bem-aventurada» [108].

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